sábado, 31 de julho de 2010

Entrevista com Alain Choppin.

Universidade Federal de Minas Gerais
Centro de Alfabetização, Leitura e escrita / FaE
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Entrevista

Alain Choppin

O livro didático na França

Autor: Lygia Santos e Vicente Cardoso Júnior. Data: 22/07/2008 18:51

Um dos grandes pesquisadores de livro didático no mundo, Alain Choppin é professor do Institut National de Recherche Pédagogique (INRP), na França. Ele criou o banco de dados Emmanuelle, que mantém amplo acervo de material didático publicado na França desde 1789. Nesta entrevista ao Portal Educativo Ceale, Alain Choppin fala sobre as escolhas dos livros didáticos e o papel dos livros paradidáticos no contexto escolar francês. Para o entrevistado, o professor deve saber se colocar na posição do aluno para realizar boas escolhas e empregar bem o livro didático. Participaram da entrevista as pesquisadoras do Ceale Marildes Marinho e Zélia Versiani, a professora da FaE Lana Mara de Castro e o repórter do Ceale Igor Lage.

Qual é o lugar dos livros didáticos na escola francesa hoje?

Primeiro, o livro didático é obrigatório. Todos os alunos devem ser providos de um em todos os níveis de escolaridade e isso é objeto de uma regulamentação. Em resumo, são as comunas [menor unidade administrativa do Estado francês] que compram e emprestam os livros aos alunos do primário [de 6 a 11 anos]. O Estado compra e empresta aos alunos do colégio [de 11 a 15 anos] e os conselhos regionais [instância de administração das regiões na França] compram e emprestam aos alunos do liceu [a partir de 15 anos]. Há comunas que, segundo meu entendimento, consideram a educação como uma questão prioritária e fazem um esforço particular para ter livros suficientemente numerosos e em conformidade com o programa. Mas há comunas que, por razões diversas, não vêem nos livros didáticos ou na sua renovação algo muito importante. Assim, dependendo das escolas, dependendo das comunas, o estoque de livros de que o professor dispõe pode ser muito diferente.

A partir de uma pesquisa feita em 1996, uma das principais conclusões a que se chegou foi a de que esses livros eram mais feitos para os professores que para os alunos. O que, globalmente, penso eu, é justo. Os textos são claros, o livro, no nível do primário, é escolhido em conselhos de professores. No geral, essa escolha é coletiva, e isso é o principal.

Há, efetivamente, alguns tipos de livros que os professores preferem?

A escolha vai geralmente para os livros mais neutros. Não no nível ideológico, mas os livros que conseguem afinal cumprir o máximo de consenso. Os livros muito inovadores não são escolhidos, os muito tradicionais tampouco e, é preciso dizer, há uma evolução no sistema de produção dos livros didáticos franceses que vai fazendo, pelo menos, uma política consensual. Não se pode mais dizer que a escolha vai por tal ou tal editora porque todas elas se assemelham. Como os carros que fabricamos pensando no concorrente, é um pouco o que acontece, e temos uma produção que pode ser considerada relativamente homogênea.

O que, na França, pode ser comparado às avaliações dos livros como as que são feitas no Brasil?

Não se faz isso exatamente. Há um boletim, não sei se ele consta ainda, um boletim lançado por uma associação que fazia análises dos livros didáticos, mas sem seguir critérios verdadeiramente científicos. Que eu saiba, nós não temos na França, por exemplo, publicações como as que foram feitas na Bélgica e nos Países Baixos, sobre a avaliação dos livros.

Não há um controle estatal?

Não, não. Que deixemos isso bem claro. Na regulamentação francesa, há uma única lei que se aplica ao direito de proibir uma publicação que não esteja de acordo com a Constituição, com a moral ou com as leis. Desde 1880, não existem mais comissões administrativas encarregadas de examinar os livros, seu conteúdo. Partimos do princípio de que os professores, reunidos, são mais aptos a fazer a escolha que melhor corresponde à sua pedagogia. Então, a última publicação proibida, por exemplo, na França, foi em 1945, e por uma razão relativamente fútil. Desde então, nenhuma publicação foi proibida porque o sistema se auto-regula.

Na França, não temos, como no Brasil, autores profissionais. São professores que, no seu tempo livre – nas suas férias, noites, fins-de-semana –, redigem os livros didáticos. Aqueles que os produzem são pessoas que realmente vão utilizar esses livros. Sob a direção, é claro, de um editor de coleção que vai orientar a estratégia, verificar a homogeneidade dos livros.

Em relação ao critério pelo qual são escolhidos os livros didáticos, você observou se há uma preferência, por parte dos professores, em escolher um livro com mais texto ou mais exercícios?

Isso depende da disciplina. Por exemplo, os professores de Matemática vão escolher, antes de tudo, livros que lhes dão mais exercícios. Isso é claro. O conteúdo e sua organização é o professor que vai dar. Aliás, em relação à matemática, eu acho que a proporção de aulas em relação aos exercícios é de 5%, 10 %. Absolutamente ridículo. É a tal ponto ridículo que uma das conclusões do relatório da Inspeção Geral de 1996 foi a de que, da forma como o livro didático é feito, ele alimenta o paradidático. Nós temos dois tipos de ferramenta na literatura escolar, na França, e sei que no Brasil também. Temos o que se chama de livro didático, que é escolhido pelo professor e prescrito pela instituição/escola. Mas temos também os paradidáticos, que são ferramentas pedagógicas com conteúdos educativos destinados a funcionar como complementares, quer dizer, devem ser comprados pelos pais, não são jamais prescritos pelo professor. O professor pode dar sua opinião, mas os pais não são forçados a comprá-los.

Muitos pais de alunos compram essas obras que, hoje em dia, contêm o que os livros didáticos não trazem mais. Nos anos 60, a gente tinha livros didáticos que eram como cursos, com um discurso todo pronto. Hoje, a gente parte dos exercícios, das atividades e, finalmente, o conteúdo não está mais nos livros, o professor é quem o domina. Houve uma inversão, de certa maneira, entre os didáticos e os paradidáticos. A conclusão da Inspeção Geral é que, da forma como os manuais eram feitos, em 1996, eles privilegiavam as atividades, os exercícios, os documentos, tudo o que o professor podia explorar. O livro didático dava pistas de exploração dos temas ao professor e, conseqüentemente, o conteúdo da aula ele encontrava feito, produzido, apresentado em detalhes nos paradidáticos.

E o governo francês compra o livro paradidático?

Não. Na França, não é prescrito: são os pais que compram. Porque eles acham que compensa uma falta – o que quer dizer que os livros didáticos que são feitos hoje não falam para os pais. Por muito tempo, na história dos livros escolares, os livros didáticos serviram, de certa forma, como instrumento de avaliação do trabalho do professor – porque, na época, o livro didático era trabalhado desde o começo até o final. Você tinha o professor que, no final dos dois trimestres, não tinha feito um terço do programa e era considerado pelos pais um professor ruim. Evidentemente, não concordo com essa análise. Depende da sala, talvez esse terço que fizeram, eles compreenderam direito, ao passo que o que foi até o fim foi muito rápido e ninguém entendeu. Mas havia possibilidade, para os pais, de compreender que havia uma progressão e que ela era de certa forma um indicativo, bom ou ruim, da atividade do professor. Hoje, temos livros que – exceto para o ensino de línguas estrangeiras, que é um caso todo particular de progressão – podem ser usados mais ou menos a partir de qualquer página. Podemos começar, no início do ano, na página 75. Isso não tem importância, depende da disciplina.

Por que os professores não sabem questionar os livros didáticos?

Sempre que empregamos esses livros em institutos de formação, os professores fazem suas escolhas pelo aspecto didático. Quer dizer que vamos nos interrogar sobre a concepção de história, vamos nos interrogar sobre como, na lição de literatura, a seqüência é constituída. Isso é totalmente válido, é claro. Mas permanecemos apenas no domínio puramente didático. E, em minha opinião, a gente se priva de pensar suficientemente no aluno. Ele não tem um manual de uma disciplina apenas: ele tem um de história, um de literatura, um de matemática, um de francês. E todos esses livros têm diferenças didáticas, mas, também, muitos pontos comuns.

Uma das coisas que acho importante é conseguir fazer com que os alunos aprendam a usar os livros, a se orientar por eles. Não pode ser algo complexo demais. Os professores, em geral, não pensam em começar o curso por uma espécie de contato, de tomada de consciência sobre a maneira como o livro funciona. Eu já fiz formações sobre a escolha e utilização do livro didático. Era relativamente simples. Partia do princípio de que muitos professores não tinham uma consciência muito clara de como funcionavam os livros da sua disciplina. Então, eu colocava os colegas em grupos de dois ou três, lhes dava um manual e lhes dizia: “pronto, vocês vão reconstituir as instruções”. Mas, para que as coisas sejam realmente como elas são para o aluno, eu lhes dava um livro de uma disciplina que não era a deles. Ou seja, os colocava na situação do aluno. E a gente percebia situações surpreendentes. Por exemplo, uma grande parte dos colegas não via que há um índice, por exemplo. E que, se há um índice, é porque ele tem uma função. Quer dizer que o índice é um aspecto do conhecimento diferente do aspecto linear. Ele permite uma outra entrada.

Então, para muitos colegas, há mesmo uma confusão na escolha. As motivações são muito diversas e falta, muitas vezes, uma reflexão de conjunto que não tem sido assegurada na formação do professor.

Publicado em 22/07/2008
07.2008-006N

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